RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL, CIVIL E CRIMINAL DO TÉCNICO DE CADASTRO PREDIAL
Como já tenho vindo a assinalar, o Regime Jurídico do Cadastro Predial (RJCP) alterou significativamente o equilíbrio de competências dos habituais “atores”. Nas zonas de cadastro, a Autoridade Tributária e Aduaneira, Instituto dos Registos e Notariado e a Direção Geral do Território (DGT), e nas outras zonas (sem cadastro) sem esta última.
Com o RJCP o papel que da DGT passa a ser assumido (na parte que releva para o cidadão) pelo Técnico de Cadastro Predial.
Num processo de conservação cadastral do qual resulte, por exemplo, o fracionamento de um prédio, cabe integralmente ao Técnico de Cadastro realizar:
Uma vez depositado na plataforma os elementos legalmente exigíveis, a plataforma limita-se a fazer uma validação informações geográficas.
Os novos prédios resultantes da operação fundiária ficam imediatamente disponíveis!
Com o RJCP o papel que da DGT passa a ser assumido (na parte que releva para o cidadão) pelo Técnico de Cadastro Predial.
Num processo de conservação cadastral do qual resulte, por exemplo, o fracionamento de um prédio, cabe integralmente ao Técnico de Cadastro realizar:
- As operações no terreno (inspeção da realidade material e georreferenciação dos limites);
- Reunir toda a documentação de suporte processo de cadastro ou de conservação cadastral;
- Verificar o cumprimento das disposições legais aplicáveis;
- Assegurar a legitimidade dos titulares;
- Depositar o resultado da operação na plataforma informática de conservação de cadastro.
Uma vez depositado na plataforma os elementos legalmente exigíveis, a plataforma limita-se a fazer uma validação informações geográficas.
Os novos prédios resultantes da operação fundiária ficam imediatamente disponíveis!
Não existe qualquer outra entidade que verifique se a operação fundiária cumpre ou não os requisitos legais, sendo responsabilidade exclusiva do técnico de cadastro (sem prejuízo do papel do registo predial na qualificação do registo, mas esta questão será certamente objeto de debate).
Na recente sessão de esclarecimento promovida pela Direção Geral do Território – que de facto foi muito esclarecedora - fiquei com a clara sensação que são poucos os que já conseguiram interiorizar qual o poder atribuído ao Técnico de Cadastro e o elevado nível de responsabilidade que acompanha esse poder.
São poucos os que conseguiram perceber quais as questões / problemas associados ao cadastro predial e que estes problemas são essencialmente de natureza jurídica e só marginalmente de natureza geográfica.
São poucos os que conseguiram perceber quais as questões / problemas associados ao cadastro predial e que estes problemas são essencialmente de natureza jurídica e só marginalmente de natureza geográfica.
INTERVENÇÃO DO CONFINANTES
Nesta sessão foram varias os pedidos de esclarecimento relacionados com a intervenção de "confinantes" nas operações de conservação. Aparente a DGT estaria a exigir o reconhecimento de assinatura desses confinantes! Conseguiu-se esclarecer que não existe obrigação legal de tais assinaturas serem reconhecidas, mas não me parece que se tenha conseguido consciencializar os TCP da complexidade que sustenta a intervenção de confinantes.
A questão que pode parecer simples, mas de facto não é. Não se trata de saber se tem ou não de haver reconhecimento de assinaturas, mas antes de perceber que são inúmeros os fatores que contribuem para a tomada de decisão, e que têm de ser interiorizados pelo técnico de cadastro.
Sem querer, pelo menos por agora, detalhar cada uma destas questões, deixo dois exemplos ilustrativos:
A questão que pode parecer simples, mas de facto não é. Não se trata de saber se tem ou não de haver reconhecimento de assinaturas, mas antes de perceber que são inúmeros os fatores que contribuem para a tomada de decisão, e que têm de ser interiorizados pelo técnico de cadastro.
- Dimensão do prédio vs dimensão da retificação;
- Relevância económica da área objeto de retificação;
- Conflitos entre confinantes (pré-existentes ou potenciais);
- Facilidade na identificação dos confinantes;
- Coincidência da retificação com os sinais / evidências do prédio;
- Qualidade da informação cadastral;
- Existência ou inexistência de títulos ou outros documentos de suporte;
Sem querer, pelo menos por agora, detalhar cada uma destas questões, deixo dois exemplos ilustrativos:
Caso I - Prédio confinante pertencer a uma herança indivisa
Se o prédio confinante pertence ao acervo hereditário, tem o cabeça de casal poderes para assinar a declaração?
Se a retificação é pouco significativa face à dimensão e relevância económica, poderá considerar-se como um simples ato de administração, que cabe nos poderes do cabeça de casal (artigo 2079º Código Civil).
Porém, se da inspeção ao local e das informações obtidas resultar que está pendente processo de inventário, a retificação deverá ser subscrita por todos os herdeiros ou então obtida através do processo de inventário.
Se a retificação é pouco significativa face à dimensão e relevância económica, poderá considerar-se como um simples ato de administração, que cabe nos poderes do cabeça de casal (artigo 2079º Código Civil).
Porém, se da inspeção ao local e das informações obtidas resultar que está pendente processo de inventário, a retificação deverá ser subscrita por todos os herdeiros ou então obtida através do processo de inventário.
Caso II – Prédio com operação urbanística
Se existir um licenciamento urbanístico que não é totalmente coincidente com o cadastro, temos de considerar o disposto no nº 3 do artigo 16º, podendo mostrar-se desnecessária a intervenção dos confinantes.
Nº 3 do artigo 16º - “Quando no título de controlo prévio de operação urbanística válido e eficaz, ou noutro documento de controlo prévio legalmente exigível, conste a configuração geométrica do respetivo prédio, presume-se que esta corresponde à realidade fundiária”,
No entanto, se esta alteração for substancial e havendo sinais de que pode resultar de uma operação fundiária não titulada, terá ser exigido aos titulares cadastrais a titulação dessa operação, seja através de acerto de extremas ou de usucapião.
Nº 3 do artigo 16º - “Quando no título de controlo prévio de operação urbanística válido e eficaz, ou noutro documento de controlo prévio legalmente exigível, conste a configuração geométrica do respetivo prédio, presume-se que esta corresponde à realidade fundiária”,
No entanto, se esta alteração for substancial e havendo sinais de que pode resultar de uma operação fundiária não titulada, terá ser exigido aos titulares cadastrais a titulação dessa operação, seja através de acerto de extremas ou de usucapião.
PODER E RESPONSABILIDADE
O Técnico de Cadastro não tem um mapa preciso, mas antes um sem número de indicadores de como percorrer o caminho.
Antes de iniciar esse caminho o TCP tem de, inevitavelmente, ter presente que os “dados de caracterização de um prédio cadastrado constituem presunção da sua real localização, configuração e área para todos os efeitos legais” (conferir artigo 16º do RJCP).
Esta presunção é tão mais sólida quanto o rigor que o TCP depositar na execução do processo de cadastro e qualquer alteração / retificação não poderá ser feita de “animo leve”.
Acresce que o TCP é profissionalmente responsável por assegurar o cumprimento da legislação aplicável (artigo 4º da Lei n.º 3/2015), mostrando-se especialmente relevante no que diz respeito às operações de fracionamento e seu enquadramento em face ao Regime Jurídico da Reserva nacional, Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, Código Civil, RJUE, Instrumentos de Gestão Territorial, Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, etc.
Mas a responsabilidade profissional é, possivelmente, a menos preocupante. Preocupa-me mais a responsabilidade civil decorrente da atividade, não tanto para com o titular cadastral que lhe solicita o serviço, mas para com terceiros que possam a vir a ser afetados pela sua atuação, nomeadamente os confinantes ou terceiros adquirentes de boa-fé.
Coloque-se a hipótese de uma operação de fracionamento de um prédio rústico, onde o técnico de cadastro sustentou tal fracionamento na existência de um “alegado” caminho público que se vem a apurar que de facto não o é.
O fracionamento é nulo, arrastando para nulidade a venda realizada, com consequências económica que possem ser de centenas de milhares de euros. Inevitavelmente o terceiro adquirente irá procurar responsabilizar civilmente o técnico de cadastro, podendo até encontrar fundamentos para agir criminalmente.
A profundidade da função poderá mesmo levar a a atividade seja considerada um serviço de interesse público, subordinando-os aos mesmos princípios e responsabilidades que se aplicam aos funcionários públicos, sujeitando-se ao enquadramento penal em crimes como os corrupção, peculato, participação económica em negócio, etc.
Antes de iniciar esse caminho o TCP tem de, inevitavelmente, ter presente que os “dados de caracterização de um prédio cadastrado constituem presunção da sua real localização, configuração e área para todos os efeitos legais” (conferir artigo 16º do RJCP).
Esta presunção é tão mais sólida quanto o rigor que o TCP depositar na execução do processo de cadastro e qualquer alteração / retificação não poderá ser feita de “animo leve”.
Acresce que o TCP é profissionalmente responsável por assegurar o cumprimento da legislação aplicável (artigo 4º da Lei n.º 3/2015), mostrando-se especialmente relevante no que diz respeito às operações de fracionamento e seu enquadramento em face ao Regime Jurídico da Reserva nacional, Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, Código Civil, RJUE, Instrumentos de Gestão Territorial, Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, etc.
Mas a responsabilidade profissional é, possivelmente, a menos preocupante. Preocupa-me mais a responsabilidade civil decorrente da atividade, não tanto para com o titular cadastral que lhe solicita o serviço, mas para com terceiros que possam a vir a ser afetados pela sua atuação, nomeadamente os confinantes ou terceiros adquirentes de boa-fé.
Coloque-se a hipótese de uma operação de fracionamento de um prédio rústico, onde o técnico de cadastro sustentou tal fracionamento na existência de um “alegado” caminho público que se vem a apurar que de facto não o é.
O fracionamento é nulo, arrastando para nulidade a venda realizada, com consequências económica que possem ser de centenas de milhares de euros. Inevitavelmente o terceiro adquirente irá procurar responsabilizar civilmente o técnico de cadastro, podendo até encontrar fundamentos para agir criminalmente.
A profundidade da função poderá mesmo levar a a atividade seja considerada um serviço de interesse público, subordinando-os aos mesmos princípios e responsabilidades que se aplicam aos funcionários públicos, sujeitando-se ao enquadramento penal em crimes como os corrupção, peculato, participação económica em negócio, etc.
Em suma:
O elevado poder/dever atribuído ao técnico de cadastro impõe que este tenha perfeita consciência do rigor que deve impor a cada operação, devendo estar preparado para justificar as opções que tomou ao submeter determinado processo à carta cadastral, uma vez que a inclusão na carta cadastral produz efeito jurídicos, não só em relação ao titular cadastral, mas também perante terceiros.