O que fazer quando, no âmbito de uma operação de conservação cadastral, o titular cadastral de prédio confinante se recusar a assinar a declaração de aceitação? O artigo 28.º do RJCP estabelece que as operações de execução simples de cadastro predial...estão sujeitas à apresentação de declaração de aceitação dos titulares cadastrais e, quando necessário, dos confinantes, nos termos previstos na Subsecção II (Procedimento de execução simples de cadastro predial – artigos 41.º e seguintes). O n.º 2 do artigo 44.º determina que, “na impossibilidade de identificar os titulares confinantes para efeitos de apresentação da respetiva declaração, a caracterização do prédio é submetida a consulta pública, pelo período de 60 dias, findo o qual, e na ausência de reclamações, o prédio é inscrito na carta cadastral”. Contudo, importa salientar que, até ao momento, não existe funcionalidade para publicação desta consulta pública! O n.º 4 do artigo 44.º prevê que “na falta de acordo entre o titular cadastral e os titulares dos prédios confinantes, no prazo referido no número anterior, o procedimento de execução simples de cadastro predial considera-se extinto”. No âmbito dos procedimentos de conservação, a alínea d) do n.º 4 do artigo 58.º dispõe que deve integrar o processo a “declaração de confinantes, quando legalmente exigível ou no caso de alteração de alguma das estremas, nos termos de modelo aprovado pela autoridade nacional de cadastro predial e disponibilizado no âmbito do SNIC, no BUPi”. Por sua vez, o artigo 80.º refere que, no contexto de retificação por erro ocorrido durante uma operação de execução, “sempre que a retificação implique modificação das estremas com prédios confinantes, o requerimento deve ser acompanhado da declaração dos confinantes”. Conclusão: Se nos cingirmos estritamente ao Regime Jurídico do Cadastro Predial (RJCP), a intervenção do titular cadastral dos prédios confinantes revela-se, à partida, imprescindível, salvo quando não seja possível a sua identificação (cfr. n.º 2 do artigo 44.º), situação em que essa intervenção pode ser suprida através da publicação de edital — embora tal edital ainda não exista funcionalmente. E se uma decisão judicial determinou a redefinição dos limites do prédio, terá de haver intervenção do confinante? Se tudo fosse perfeito, a decisão judicial já deveria indicar (ou fazer referência) às coordenadas dos vértices, em moldes semelhantes aos que constam da declaração de aceitação de confinantes, estando por isso suprida a intervenção dos confinantes. Porém, como todos sabemos, as decisões judicias dificilmente vão chegar a esse detalhe. Na provável falta de colaboração do confinante o reflexo no cadastro poderá vir a ser conseguido em sede de execução de sentença. Importa recordar que o cadastro predial constitui um “registo geográfico e administrativo” (alínea c) do artigo 3.º) de um prédio, entendido este como uma “porção delimitada do solo juridicamente autonomizada, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nele incorporadas ou assentes com carácter de permanência” (alínea l) do mesmo artigo), definição que coincidente do Código Civil (artigo 204º). Embora o cadastro predial seja uma abordagem geométrica e espacial para a identificação dos prédios, essa representação encontra-se intrinsecamente ligada e condicionada à realidade material e às normas legais que regulam os direitos reais sobre imóveis. Assim, a matemática é uma ferramenta ao serviço do direito, e não um princípio autónomo determinante da realidade jurídica. Deste modo, qualquer representação cadastral deve refletir a realidade material da estrutura fundiária propriedade, designadamente quanto aos direitos, restrições e delimitações estabelecidas juridicamente. A conformidade com a realidade é condição essencial para garantir a segurança jurídica e a eficácia das relações patrimoniais. A rigidez dos números, embora fundamental, não é absoluta. Compete ao técnico de cadastro encontrar o equilíbrio entre a dimensão geométrica e a jurídica. O RJCP beneficiaria de uma revisão que conferisse ao Técnico de Cadastro Predial (TCP) um papel mais interventivo na tramitação dos procedimentos e na decisão de “retificar” os limites, naturalmente sujeito ao princípio do contraditório. Tem sido aventada — embora sem confirmação formal por parte da DGT — a possibilidade de ultrapassar a falta de colaboração do confinante mediante notificação avulsa, apelando ao regime preciso no n.º 3 do artigo 28.º-C do Código do Registo Predial, mostrando-se no entanto necessário que o confinante não deduza oposição no prazo de 15 dias.
Presumindo que o titular cadastral do prédio confinante é conhecido, parece razoável recorrer a essa via, com alguns complementos que se sugerem: I. Tendo em conta que é dever dos titulares cadastrais “assegurar que os dados relativos à caracterização do prédio cadastrado estão atualizados na carta cadastral, através dos mecanismos de conservação ” (alínea e) do n.º 1 do artigo 23.º), deve a notificação incluir uma advertência sobre as coimas aplicáveis em caso de incumprimento. II. A notificação deve indicar expressamente que qualquer oposição deve ser dirigida ao Técnico de Cadastro Predial. III. Caso venha a ser apresentada oposição à operação de conservação, a notificação deve, na medida do possível, obrigar o confinante a especificar a natureza da divergência, distinguindo entre:
Optando-se pela notificação avulsa, subsiste a dúvida sobre quem a deve promover: se o técnico de cadastro ou o titular cadastral. Inclino-me para que deva ser o titular cadastral a promovê-la, naturalmente com o apoio técnico de cadastro, que terá de produzir a informação que acompanha a notificação. Por fim, para assegurar a robustez do processo de retificação, recomendaria que, antes de iniciar o processo de conservação no SNIC, o titular cadastral (ou o TCP0 deverá notificar previamente o confinante para a inspeçaõ ao local, tendo em vista a determinação dos limites para efeitos de cadastro. Essa notificação deve indicar o dia e hora da vistoria ao terreno, convidando-o o confinante a comparecer e ainda, caso o pretenda, a vir acompanhado de técnico de cadastro da sua confiança.
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AutorO meu nome é Armando A. Oliveira, sou solicitador de 1993, agente de execução desde 2003 e técnico de cadastro predial desde 2024 Archives
Maio 2025
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