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Dominialidade sobre as Margens -  Falácias Históricas e o Reconhecimento da Propriedade Privada

3/5/2025

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A dominialidade sobre as margens dos rios continua a ser um tema juridicamente denso e envolto em controvérsia no nosso ordenamento jurídico. Com raízes frequentemente traçadas ao Direito Romano, a dominialidade sobre as margens foi introduzida no nosso sistema jurídico pelo Decreto Real de 31 de Dezembro de 1864. Contudo, há uma falácia que tem passado incólume na doutrina: a ideia de que, desde então, as margens passaram a ser inequivocamente domínio público do Estado. 

Esta leitura ignora o verdadeiro contexto histórico da época, em que a dominialidade tinha uma natureza eminentemente funcional, ligada à navegabilidade e ao transporte fluvial — e não a uma intenção de apropriação generalizada e permanente das margens, nem, tão pouco, denotava qualquer preocupação na proteção dos recursos hídricos.
Fotografia

​Um ponto essencial, mas até agora ignorado pela doutrina, é o reconhecimento oficial da posse e propriedade privada de terrenos marginais, consagrado na Portaria de 16 de Maio de 1898. 

Este diploma é cristalino ao afirmar que "é facto averiguado que, em muitas — se não todas — as bacias hidrográficas do país, muitos terrenos submersos, banhados ou atingidos pelas marés, e os seus produtos naturais, têm estado sempre no domínio e posse, incontestada e pública, de indivíduos particulares", que os adquiriram por títulos válidos, desde heranças e legados até compras e arrematações, algumas das quais feitas à própria Fazenda Nacional. 
Nessa mesma portaria ordenava "El Rei" aos directores e agentes das circunscrições hidráulicas que respeitassem os direitos de propriedade enquanto não houvesse uma definição justa das relações entre o Estado e os proprietários.

Este reconhecimento não é apenas simbólico — é uma peça fundamental na interpretação do regime jurídico das margens, demonstrando que, já no século XIX, a Administração Pública reconhecia a existência legítima de propriedade privada sobre zonas ribeirinhas. Tanto quanto se foi possível apurar inexiste, quer na doutrina, quer em trabalhos académicos, qualquer referência a esta portaria, o que enfraquece a compreensão crítica do regime em vigor.

A exigência actual de prova documental anterior a 1864 para reconhecimento de propriedade privada sobre margens fluviais, ainda prevista na Lei n.º 54/2005, representa uma carga desproporcionada e, na maioria dos casos, praticamente impossível de cumprir. A jurisprudência já a classificou como uma verdadeira "probatio diabólica", perante a inexistência ou degradação de registos com mais de século e meio.

Neste cenário, impõe-se uma reflexão urgente e profunda sobre a forma como temos vindo a interpretar e aplicar a dominialidade das margens. É tempo de encarar com honestidade a falácia histórica subjacente a este regime e de reconhecer, com base em documentos oficiais como a Portaria de 1898, que muitos terrenos sempre foram, e continuam a ser, propriedade privada legítima.

Este reconhecimento poderá — e deverá — ser o ponto de partida para uma reforma legislativa que traga equilíbrio e justiça a esta matéria, preservando o interesse público onde ele realmente se justifica, mas respeitando, com igual firmeza, os direitos privados adquiridos e consolidados ao longo de gerações.
​
Importa recordar que tudo isto assenta num regime concebido sem base técnica consistente, promulgado em plena ditadura e no auge da guerra colonial — um período em que o respeito pelos direitos mais elementares era visto mais como entrave político do que como pilar do Estado de Direito. Esse enquadramento histórico não pode deixar de influenciar uma reavaliação crítica das opções legislativas então tomadas, especialmente à luz dos valores democráticos que hoje regem o nosso ordenamento. que traga equilíbrio e justiça a esta matéria, preservando o interesse público onde ele realmente se justifica, mas respeitando, com igual firmeza, os direitos privados adquiridos e consolidados ao longo de gerações.
A imposição dogmática das faixas de 50 metros nas margens sob influência de marés e de 30 metros nos rios navegáveis ou flutuáveis é o produto previsível de uma legislação feita em circuito fechado entre os quadros da Agência Portuguesa do Ambiente e um punhado de doutrinadores de gabinete, profundamente desligados da realidade.

Fotografia
É fácil legislar sobre a casa dos outros quando se ignora — por conveniência ou arrogância — a história da ocupação ribeirinha, o direito de propriedade e a própria capacidade do Estado.
A verdade é que o Estado nunca foi sequer capaz de delimitar de forma concreta essas faixas “virtuais”, muito menos de assegurar a sua gestão efetiva.
Na prática, há um abandono tácito do alegado domínio público: em mais de 150 anos, o Estado nunca exerceu posse nem gestão consistente sobre esses terrenos e, para mais, cobra impostos sobre eles como privados, exige a sua limpeza aos proprietários e impõe taxas urbanísticas.

​A dominialidade sobre as margens não é mais do que uma ficção, tão artificial quanto são as imagens que ilustram este post.
A diferença é que o Legislador levou aquela ficção à letra da Lei e há tanto tempo ali está que até parece ser verdadeira.
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    O meu nome é Armando A. Oliveira, sou solicitador de 1993, agente de execução desde 2003 e técnico de cadastro predial desde 2024

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