Descubra como a atuação dos municípios é essencial para o sucesso do Regime Jurídico do Cadastro Predial (RJCP). Através da perspectiva "DAR" – Desenvolver, Adequar e Responder – os municípios garantem a precisão e atualização dos dados cadastrais, impactando desde expropriações e planos urbanísticos até a gestão fundiária. Entenda o papel crucial dos municípios na organização do território e na segurança jurídica. A implementação bem-sucedida do RJCP depende crucialmente da intervenção ativa e preparada dos municípios, que se desdobra em três perspectivas fundamentais: Desenvolver os trabalhos de recolha de dados (geográficos e documentais)Os municípios são chamados a "Desenvolver" a base de informação cadastral, o que implica a recolha e organização de dados essenciais para diversas operações com impacto fundiário. Esta recolha de dados geográficos e documentais é um passo prévio e indispensável para:
Adequar os procedimentos de licenciamento ou de controlo prévio aos efeitos que estes produzem Os municípios devem "Adequar" os seus procedimentos administrativos de licenciamento e controlo prévio para garantir que as operações urbanísticas e de reestruturação fundiária produzem efeitos coerentes com o regime do cadastro. Isto inclui:
Responder aos pedidos dos titulares cadastrais que estes possam promover as operações de conservação Os municípios têm um papel reativo, mas fundamental, em "Responder" aos pedidos dos titulares cadastrais, fornecendo a informação necessária para as operações de conservação do cadastro. Esta colaboração é essencial para manter o cadastro atualizado e preciso.
A preparação dos municípios para os desafios do cadastro é, portanto, inadiável. É fundamental que se capacitem para lidar com a complexidade e a dinâmica da informação predial, garantindo a sua precisão e atualização contínua. Para além da preparação interna, a criação de canais de comunicação simplificados e eficientes com os técnicos de cadastro predial é crucial. Esta colaboração fluida permitirá uma resposta mais célere e eficaz às necessidades de registo e atualização, assegurando que o cadastro sirva plenamente o seu propósito de organização territorial e segurança jurídica.
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Hoje o tema é diferente, lamentavelmente muito diferente. Depois de uma luta intensa, o meu magnifico Sogro abandonou-nos do alto dos seus 80 anos de vida. Há um ano o neto João Pedro desenvolveu este extraordinário testemunho da juventude do Avô Albino. 20 minutos sobre a vida de um herói desconhecido que deixou uma parte de si no ultramar. "Quando os Brinquedos Ficam para Trás" A guerra começou antes de chegar à Guiné. Começou no dia em que deixei de saber o nome dos meus brinquedos. Antes disso, eu ainda era alguém. Depois, passei a ser número. Ninguém dizia “rapaz”, diziam “recruta”, “miliciano”, “número 214”. E eu obedecia. E era um corpo novo dentro de uma farda velha. No barco, o Uíge, olhávamos para trás como se o mar fosse um espelho onde o rosto da mãe ainda nos acenava. E a mão dela tremia. E a nossa também. E ninguém dizia nada porque os homens não choram e nós queríamos tanto ser homens. Chegámos a Farim como quem desce para dentro de um ventre húmido. A terra respirava com os dentes. Diziam-nos “é o K3, é o Oio”, e nós aprendíamos que Chocolate queria dizer morte, que cada som da selva podia ser o último som, que um macaco a gritar parecia gente, que os grilos eram mais certeiros do que a bússola. Havia nomes que não sabíamos pronunciar. Fula. Balanta. Felupe. E um preto que nos ensinava quem era quem, como se ensinar nomes fosse salvar vidas. Algumas usavam flechas, outras armas, outras só olhavam — e olhar, às vezes, matava mais. Fiz o curso de Minas e Armadilhas. Fui ensinado a montar a morte com os dedos. Como quem borda. Mas quando soube que só faltavam cinco meses para regressar, comecei a montar armadilhas como quem monta presépios: com medo de que rebentem em mim. Amarrava o fio, enterrava a granada e rezava para que ela nunca funcionasse. Para que ninguém morresse. Nem eu, nem eles. Tínhamos um campo de futebol. Eu era guarda-redes. Chamavam-me Dus Costa Pereira, porque os pretos não diziam “dois”. E nos jogos ninguém morria, só se caía. Só se sujava a roupa. Só se gritava como meninos outra vez. Mas depois voltava o sangue. E as rajadas. E os estilhaços. Um ferido no peito sangra também pelo cu, dizia o enfermeiro. E a gente aprendia que as calças servem para fazer garrotes. E a carne para ser rasgada. E os mortos para não serem enterrados. Não havia campas para todos. Um dia fomos chamados para uma emboscada. Tudo minas. Restos de gente misturados com folhas. Um pé, uma mão, um osso partido a falar conosco. As estradas eram só buracos. E os buracos não tinham fundo. Disseram-nos: queimem. Queimem tudo. E matem os animais. Não deixem comida para ninguém. Nem para os filhos deles. Nem para os nossos fantasmas. E nós queimávamos. E os olhos das vacas ficavam a olhar para nós como se perguntassem porquê. E nós não sabíamos. No regresso, proíbem-me uma cerveja. Eu, que passei dois anos a morrer, não podia oferecer uma cerveja aos meus. “São soldados”, diziam. Como se eu fosse mais do que eles. Como se eles não tivessem o mesmo medo. No porão do navio vinham os meus irmãos. No porão, onde o sol não entrava. Onde ninguém dizia adeus. Agora, quando me perguntam o que senti, eu não sei. Só sei que queria regressar. Só sei que deixei lá dentro o rapaz que eu era. Que me rasgaram por dentro e não deram pontos. Que voltei, sim, mas faltava-me qualquer coisa. E quando escrevo isto, escrevo para que alguém saiba que eu existi. Que fui. Que matei. Que tive medo. Que montei armadilhas que não rebentavam. E que jogava à baliza. E que a minha macaquinha, quando se zangava, cobria-me a cama de cascas de batata. Este texto é uma criação livremente inspirada no testemunho oral do ex-combatente Albino Sá Carneiro, registado em vídeo pelo seu neto João Pedro Sá Carneiro Vilas Boas. A partir da sua narrativa bruta, marcada por memórias da Guerra Colonial Portuguesa (Guiné, 1966–1968), procurou-se captar o tom íntimo, emocionalmente contido e por vezes fragmentário do relato, transpondo-o para uma crónica. O texto não pretende reproduzir literalmente os factos relatados, mas sim dar forma escrita a uma experiência humana real, preservando a sua densidade emocional, o seu desassossego e a sua dimensão universal de perda, despersonalização e resistência íntima. Trata-se, portanto, de um exercício de memória transformada pela escrita, onde a fidelidade reside não nos pormenores factuais, mas na preservação da voz interior e da verdade emocional do testemunho, recorrentemente esquecido pela sociedade Portuguesa. O Balcão Único do Prédio (BUPi) nasceu de uma necessidade premente e de uma ambição louvável: mapear o território nacional, simplificar o registo de propriedades e valorizar o património de milhares de portugueses.
A plataforma digital, gratuita e acessível, inquestionavelmente inspirada no Geopredial®, parece ser a resposta moderna a um problema antigo. No centro deste processo está a Representação Gráfica Georreferenciada (RGG), o ato de desenhar o mapa da nossa propriedade. E é aqui, na aparente simplicidade de um clique, que reside uma armadilha com consequências jurídicas e financeiras devastadoras. A plataforma (mais precisamente a estrutura de missão) convida o proprietário a realizar a RGG por fotointerpretação, delineando os limites do nosso prédio sobre um ortofotomapa. Para o proprietário bem-intencionado, a tentação é enorme. Parece fácil, rápido e, acima de tudo, gratuito. Mas será essa simplicidade sinónimo de segurança? A resposta, na esmagadora maioria dos casos, é um rotundo não. A segurança técnica deste método é, na melhor das hipóteses, sofrível. A fotografia aérea não mostra o marco de pedra escondido sob a copa de um carvalho, não revela a vedação que foi movida há uma década em acordo com o vizinho, nem distingue a linha exata da linha de água que alterou o seu curso. O que no ecrã parece ser um limite óbvio, no terreno pode ser uma fonte de ambiguidade e conflito. Este método transforma o proprietário num cartógrafo amador, pedindo-lhe que assuma uma responsabilidade técnica para a qual não tem, regra geral, formação, nem consciência das implicações jurídicas. O problema agrava-se exponencialmente quando percebemos o que acontece a seguir. Esta RGG, uma vez validada, não é apenas um desenho. Havendo concordância do desenho com os desenhos vizinhos vai passar a ser considerado cadastro e com isso adquire a presunção legal de veracidade. Isto representa uma autêntica bomba-relógio jurídica. Um limite mal desenhado hoje, por desconhecimento ou por simples erro de interpretação da imagem, transforma-se na verdade legal de amanhã. Se surgir um conflito, o ónus da prova inverte-se: caberá a quem se sente lesado lutar contra uma presunção de lei para provar que o mapa oficial está errado, uma batalha judicial longa, incerta e extraordinariamente dispendiosa. E é aqui que a "falsa economia" do clique fácil revela o seu verdadeiro preço. Evitar o custo da georreferenciação material, ou seja, com a deslocação do técnico ao terreno, que ronda, tipicamente, algumas centenas de euros — pode parecer uma poupança. No entanto, o custo de "curar" o erro mais tarde é incomportavelmente superior. Uma retificação amigável, quando for possível, implicará já custos significativos, não só com a intervenção do técnico, mas também com emolumentos de registo. Se a questão escalar para um litígio judicial, falamos de custas judiciais, honorários de advogado e peritagens que podem ascender a muitos milhares de euros. Não nos enganemos. O BUPi é uma ferramenta valiosa, mas a sua utilização exige uma diligência à altura das consequências. Salvo situações muito específicas de limites perfeitamente visíveis e inequívocos, o proprietário nunca deveria promover a RGG sem o recurso a um técnico habilitado que se desloque ao local. A escolha prudente, segura e, em última análise, mais económica é encarar este processo não como uma mera formalidade administrativa, mas como a definição permanente do seu património. O investimento num na georreferenciação presencial não é uma despesa; é um seguro. Um seguro contra futuros conflitos e, acima de tudo, pela paz de espírito de saber que os limites da sua propriedade estão defendidos, não por um clique apressado, mas pela certeza de um trabalho sério, quer do ponto de vista geográfico, quer jurídico. Diz o RJCP que ‘Cadastro predial’ é ‘o registo geográfico e administrativo, metódico e atualizado, de aplicação multifuncional, no qual se procede à identificação e caracterização dos prédios existentes em território nacional”; Prédio é “a porção delimitada do solo juridicamente autonomizada, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nele incorporadas ou assentes com carácter de permanência”; por fim que um prédio é caracterizado no cadastro pelo “conjunto de dados referentes à localização administrativa e geográfica, configuração geométrica e área do prédio” Em suma, podemos dizer que o cadastro predial é a repreensão da configuração geométrica das porções delimitadas do solo do território português juridicamente autonomizadas! O Regime Jurídico do Cadastro Predial (RJCP) foi publicado há dois anos e continua a ser desconhecido da generalidade dos profissionais ligados ao ‘imobiliário’, mas também dos diversos setores do Estado. Como é habitual em qualquer reforma ainda muito está por implementar, nomeadamente os procedimentos de inclusão de carta cadastral, não se mostrando possível, pelo menos por agora, elaborar um guia mais completo sobre o RJCP, optando por abordar das operações de conservação de cadastro, ou, dito de outra forma: Como é que se corrige ou atualizada o cadastro? Como já há muito vinha a defender, pelo menos desde que, na Câmara dos Solicitadores, lancei as bases do projeto Geopredial®, as dificuldades do cadastro predial há muito que não são de natureza geográfica, mas sim de natureza jurídica. Não é descabido de todo afirmar que o problema do cadastro também tem uma dimensão sociológica, com vários aspetos importantes sobre a forma como os cidadãos lidam com sistemas burocráticos e legais, que muitas vezes podem ser complexos, morosos e desajustados da realidade (seja a realidade económica, social e cultural). O problema de execução e conservação do cadastro predial vão muito além da questão puramente técnica ou legal; reflete também um comportamento sociológico em que as dificuldades do sistema levam os cidadãos a buscar soluções alternativas ou a postergar a resolução formal. Isso cria um desajuste entre o que seria o ideal, do ponto de vista da administração pública, e o que os cidadãos efetivamente fazem para adaptar-se às circunstâncias. Em muitos casos, isso pode resultar em uma informalidade generalizada, o que pode gerar problemas futuros, como disputas de propriedade, consequências tributárias e dificuldade na regularização de operações urbanísticas. Temos a consciência que nem sempre o que é projetado está refletido no que é construído, sendo habitual ajustes - mais ou menos profundos - seja porque foram encontrados problemas técnicos na execução ou porque houve necessidade de acomodar interesses específicos. Estas “adequações” - legais ou não legais - existem e estão materializadas, não podendo deixar de ser acomodadas no cadastro predial, sob pena de tornar o cadastro num conto de fadas… uma história que pouco tem a ver com a realidade. Nos concelhos onde vigorou o Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica (CGPR), acrescem os problemas que resultam de ter sido realizado há mais de 50 anos, com escala e soluções técnicas de suporte que não são compatíveis com as atuais, e ainda do facto de os processos de conservação (os então processos de reclamação administrativa – PRA) nunca terem verdadeiramente funcionado. A imagem seguinte é demonstrativa do desfasamento do cadastro em relação à realidade material, já que cada polígono ali representado (matriz cadastrais da propriedade rústica) há mais de 2 gerações que foram urbanizadas, mantendo-se congeladas no tempo! Com o RJCP é introduzida a figura do Técnico de Cadastro Predial (TCP) que tem por missão navegar neste mar de pequenos e de grandes problemas, sendo que o ‘mapa’ que lhe é apresentado não consegue detalhar como vai abordar os problemas concretos.
Para todos aqueles que estavam habituados aos processos de reclamação administrativa – PRA, esqueçam a metodologia anteriormente adotada. É imperativo que percebam que deixou de existir o cadastro geométrico da propriedade rústica! O cadastro deixou de representar prédios rústicos e passa a representar ‘prédios’… as tais “porções delimitadas do solo do território português juridicamente autonomizadas”. Embora o cadastro predial represente uma forma de abordagem geométrica / espacial para a identificação dos prédios, essa representação está intrinsecamente ligada e condicionada à realidade material e às normas legais que regem os direitos reais sobre imóveis. Isso significa que, enquanto a estrutura trigonométrica pode ser utilizada para calcular medidas e identificar limites, mas está inevitavelmente subordinada ao direito. Assim, qualquer representação do cadastro precisa refletir com precisão as características materiais da propriedade, como os direitos, restrições e delimitações estabelecidas pelo direito. A conformidade com a realidade é fundamental para garantir a segurança jurídica e a efetividade das relações patrimoniais, ressaltando que a matemática deve atuar como uma ferramenta para a implementação das necessidades legais e não como um princípio autônomo que determina a realidade jurídica. A rigidez dos números vai inevitavelmente condicionar o direito, mas essa rigidez não é absoluta, cabendo ao técnico de cadastro conseguir unir as diversas dimensões do problema. |
AutorO meu nome é Armando A. Oliveira, sou solicitador de 1993, agente de execução desde 2003 e técnico de cadastro predial desde 2024 Archives
Maio 2025
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