Se foi "intimado" a promover a "limpeza" verifique se de facto é da sua responsabilidade a realização desses trabalhos. É provável que a entidade que o notificou seja ela própria a responsável por concretizar esses mesmos trabalhos! Aqui fica mais um "desabafo" sobre o comportamento do Estado na aplicação da Lei. É lamentável constatar que o próprio Estado se coloca acima das leis que ele mesmo cria, resultando em uma flagrante contradição que mina a confiança da população nas instituições e nos princípios democráticos. As disposições legais e normativas estabelecidas para regulamentar a atuação estatal não são meros formalismos; elas representam a essência do Estado de Direito, garantindo que o poder público atue em consonância com os princípios de justiça, transparência e respeito aos direitos dos cidadãos. No entanto, observamos frequentemente que essas normas são desconsideradas ou reinterpretadas de maneira a servir certos interesses. Quando o Estado falha em seguir suas próprias regras, ocorre uma perigosa erosão do contrato social, no qual os indivíduos se submetem às leis acreditando que estas serão justas e aplicadas equitativamente. Desta feita vamos abordar o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais... e começo com as conclusões: I. A generalidade dos cidadãos não consegues perceber as nuances da lei, aceitando como legitimas as “ordens” emanadas por entidades públicas. II. Ainda que tenham marginal consciência de que podem estar a ser levados ao engano, a generalidade dos proprietários de terrenos rústicos não dispõem de meios para reagir, ou os custos de reação são superiores aos custos de cumprir a "ordem"... ainda que ilegal. III. A aplicação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais revela uma série de desafios práticos, injustiças percebidas e divergências entre a teoria legal e a viabilidade da sua execução. IV. O desconhecimento e confiança do cidadão, os desafios na aplicação do regime e a dificuldade do particular reagir, não podem servir de fundamento para que os Municípios imponham a realização de trabalhos que não resultam da Lei; V. A imposição de realização de trabalhos de “limpeza” deve ser acompanhada de informação concreta e objetiva, designadamente através de apresentação de planta onde se represente as áreas subordinadas a intervenção, assinalando os vários responsáveis envolvidos (incluindo os próprios municípios). Sistema de Gestão Integrada de Fogos RuraisO Decreto-Lei n.º 82/2021 determina a criação de várias redes de defesa que infraestruturam o território de acordo com o planeamento de gestão integrada de fogos rurais, para defesa de pessoas, animais e bens, e de gestão do fogo rural:
No que aos proprietários de terrenos rurais diz respeito, interessa-nos analisar a rede secundária (artigo 49º) que se sintetiza na tabela seguinte:
No que aos proprietários de prédios rústicos diz respeito, as responsabilidades na gestão de combustíveis são as seguintes:
Inexiste, para os proprietários de terrenos, qualquer obrigação de gestão de combustíveis na proximidade das vias públicas, pois tal incumbência recai sobre as entidades responsáveis pelas infraestruturas da rede rodoviária, conforme resulta da conjugação da alínea a) do nº 1 e do nº 4 do artigo 49º Na maior parte dos casos a área sujeita a intervenção é uma interseção de duas ou mais faixas, ou seja, em que duas ou mais entidades partilham responsabilidades. Quanto tal acontece, ou seja, havendo concurso entre a faixas de infraestruturas e faixas de proprietário, incumbe exclusivamente às entidades gestoras das infraestruturas a execução dos trabalhos de gestão de combustível (artigo 50º). Não poderia ser de outra forma, uma vez que as redes secundárias referidas no nº 4 do artigo 49º (rodoviária, ferroviária, distribuição de energia, etc) tem a natureza de servidão administrativa (conferir alínea b) do nº 1 do artigo 56º). Um caso concretoEm resultado de uma ação de fiscalização, o município notifica o proprietário para, no prazo de 15 dias, proceder à gestão de combustíveis. A notificação é acompanhada de fotografias e "formulário". O proprietário menos informado, crente da boa fé da administração pública, fica convencido que terá de: a) Criar uma faixa de 50 metros a partir das construções; b) Criar uma faixa de 10 metros a partir das da via pública. A aplicação da Lei dá-nos um resultado muito diferente e que se encontra materializado na imagem seguinte:
Porém, a notificação ao proprietário omite - por desconhecimento ou intencionalmente - estas evidências, dando a entender ao proprietário que terá de ser ele a promover todos os trabalhos! Cabe ainda assinalar que a área de gestão que deve ser assumida pelos proprietários não é necessariamente de 50 metros em relação às construções. Na sua maioria a distância é de 10 metros ou nem sequer existe a obrigação. Para perceber qual a distância, é necessário perceber a concreta localização dos terrenos:
A classificação de "florestais", "agrícolas" ou "área edificada" deverá ser analisar em de acordo com a COS - Carta de uso e ocupação do solo, representada na imagem seguinte. Rede Rodoviária e impacto nos municípiosNo que à rede rodoviária diz respeito, para aferir quem é a entidade concretamente responsável, temos de perceber a quem incumbe a gestão da infraestrutura. Segundo o Decreto-Lei n.º 222/98, de 17 de julho, a rede rodoviária divide-se em:
No caso concreto a via está integrada na rede rodoviária municipal, cuja gestão é da respetiva autarquia. Assim sendo, a gestão de combustíveis na faixa de 10 metros do limite exterior da plataforma de rodagem é da responsabilidade da autarquia (e não do proprietário). Na ânsia de produzir legislação e demonstrar que se estava a fazer algo, o legislador não conseguiu antever qual o efeito desta lei nos municípios, muito particularmente quanto ao alcance do artigo 49º, nº 1, a) e nº 4), no que tange à gestão de combustíveis na rede rodoviária. Dar cumprimento aquela disposição é tendencialmente impossível, uma vez que:
A Lei é completamente irrealista, mas produz efeitos muito diferentes, dependendo de quem é por esta alcançado. Se há uns que, na prática, podem ignorar a lei, outro há que são intimidados e multados! Os proprietários dos prédios confinantes estão embrulhados num jogo viciado, as regras não só não são justas, como um dos juízes da partida - no caso os municípios - são também jogadores! Pacto de silêncioOs diversos setores do Estado têm um pacto de silencio, pois em todo o lado se propala a responsabilidade dos proprietários, mas em nenhum lado se ouve refere a responsabilidade dos municípios. Para se perceber este pacto de silêncio basta analisar as informações publicadas pelas principais entidade envolvidas:
Direito e informação geográficaA aplicação da Lei está cada vez mais dependente da tecnologia. No caso concreto a de utilização de ferramentas que permitam fazer a análise dos vários elemento geográficos envolvidos, algo que poderemos chamar de "georreferenciar o direito".
Os mapas apresentados foram elaborados em QGIS, suportadas em diversas fontes de informação e utilizando várias funcionalidades da aplicação. Fontes de informação:
Principais atividades no QGIS:
1 Comentário
O elevado poder/dever atribuído ao técnico de cadastro impõe que este tenha perfeita consciência do rigor que deve impor a cada operação, devendo estar preparado para justificar as opções que tomou ao submeter determinado processo à carta cadastral, uma vez que a inclusão na carta cadastral produz efeito jurídicos, não só em relação ao titular cadastral, mas também perante terceiros.
Continuar a ler O Quantum Geographic Information System (QGIS) é uma ferramenta de Sistema de Informação Geográfica (GIS) de código aberto (gratuita) , fundamental para juristas que lidam com questões relacionadas ao cadastro de imóveis.
Começo uma uma nova rubrica dedicada ao tema. A primeira entrada explica como podes obter o QGIS e qual a configuração de hardware aconselhável. Clica aqui para ver mais. Uma imagem vale mais do que mil palavras!
Porém, quando os suportes utilizados para contratos (ou processos de contencioso) não permitem que a imagem se integre com a necessária qualidade/profundidade, devemos encontrar outras formas de representação do objeto com muito maior rigor e certeza jurídica Continuar a ler aqui. |
AutorO meu nome é Armando A. Oliveira, sou solicitador de 1993 e agente de execução desde 2003 Archives
Agosto 2024
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