A letra (da Lei) e a linha (da planta)A legislação relevante para o exercício da atividade de técnico de cadastro em Portugal é extensa e evidencia a importância das competências nas ciências jurídicas em relação às ciências geográficas:
O que é hoje um prédio A discrepância entre os conceitos de prédio rústico e prédio urbano no Código Civil e os conceitos resultantes dos instrumentos de gestão territorial reflete a evolução do ordenamento do território e as dinâmicas urbanísticas que não existiam aquando da criação do Código Civil. Os conceitos tradicionais de prédio rústico e prédio urbano do Código Civil são mais simplificados e baseados na distinção entre terrenos destinados à agricultura e terrenos ocupados por edificações. No entanto, a realidade atual das áreas urbanas vai muito além dessa dicotomia simples. Atualmente, o desenvolvimento urbano é muito mais complexo, envolvendo questões como uso misto do solo, densidade populacional, infraestruturas, serviços e sustentabilidade ambiental. Os instrumentos de gestão territorial, como os planos diretores municipais e regulamentos urbanísticos, refletem uma abordagem mais abrangente e atualizada para a gestão do território, considerando não apenas a distinção entre áreas rurais e urbanas, mas também a diversidade de usos e funções que as áreas urbanas desempenham. Estes instrumentos visam promover um desenvolvimento mais sustentável e integrado das áreas urbanas, levando em conta não apenas as necessidades presentes, mas também as futuras. Assim, a desatualização dos conceitos de prédio rústico e prédio urbano em relação aos conceitos resultantes dos instrumentos de gestão territorial evidencia a necessidade de uma revisão e atualização, para que se possa refletir a realidade e as exigências atuais do planeamento urbano e gestão do território.
Reequilíbrio de poderes Não será de estranhar que o direito registral pode vir tornar-se menos relevante à medida que o Regime Jurídico do Cadastro é implementado. O Regime Jurídico do Cadastro visa centralizar e padronizar as informações relativas aos prédios rústicos e urbanos, criando uma base de dados cadastral única e fiável. Com esta centralização, a necessidade de recorrer a múltiplos registos dispersos e autónomos torna-se menos relevante, uma vez que a informação cadastral será mais abrangente fácil de aceder / tratar. Com a implementação do Regime Jurídico do Cadastro, a informação constante no cadastro predial passa a ser o elemento central a partir do qual os demais sistemas gravitam. O poder que encerra a informação cadastral vai, inevitavelmente, diminuir a importância do registo dos direitos, pois na prática deixa de deter o “poder” sobre o objeto. O cadastro predial modernizado e digitalizado proporciona uma gestão mais eficiente e facilita o acesso à informação, reduzindo a necessidade de consultas a múltiplos registos e simplificando os procedimentos administrativos relativos a questões imobiliárias. Isso pode contribuir para reduzir a dependência dos registos em “papel” e, consequentemente, a sua relevância. A implementação do Regime Jurídico do Cadastro vai também melhorar a segurança jurídica das transações imobiliárias, garantindo a fiabilidade e autenticidade da informação cadastral. Com a fiabilidade e atualização do cadastro predial, a necessidade de recorrer a registos para confirmar informações vai inevitavelmente diminuir, tornando o direito registral menos relevante em comparação com a informação cadastral. Assim, à medida que o Regime Jurídico do Cadastro é implementado e fortalecido em Portugal, é expectável que o direito registral se torne menos relevante, dada a centralização da informação, a primazia da informação cadastral, a simplificação dos procedimentos e a melhoria da segurança jurídica proporcionadas pelo cadastro predial atualizado e fiável. Presunção do direito e a presunção do objeto O conflito entre a presunção do direito, resultante do Código do Registo Predial, e a presunção sobre o objeto, resultante do Regime Jurídico do Cadastro Predial, vai certamente ser objeto de grandes discussões. O Código do Registo Predial estabelece a presunção de veracidade dos factos sujeitos a registo, no registo predial, não estendendo essa presunção ao objeto desses mesmos direitos. O Regime Jurídico do Cadastro Predial visa estabelecer uma base de dados cadastral com informações atualizadas e fidedignas sobre os prédios rústicos e urbanos e a presunção sobre o objeto no cadastro predial refere-se à validade e precisão das informações referentes aos terrenos e propriedades constantes do cadastro- O conflito entre essas presunções vais inevitavelmente surgir, precisamente quando a informação constante do registo predial difere da informação resultante do cadastro predial. A harmonização do direito com o objeto é assegurada pelo técnico de cadastro, sendo este a figura central no extenso role de atividades que serão necessárias desenvolver para que essa harmonização seja alcançada. Atração Gravitacional de Três Corpos Aproveitando a tendência do momento resultante da série da Netflix “ O problema dos três corpos”, que versa sobre imprevisibilidade das relações gravitacionais de três corpos celestes, da mesma forma a chegada do técnico de cadastro vais trazer novas dinâmicas e interações entre diferentes entidades envolvidas, no imediato com o Registo Predial e a Autoridade Tributária.
Tal como no problema da atração gravitacional de três corpos, onde é difícil prever com precisão as órbitas e interações dos corpos celestes, a introdução do técnico de cadastro pode trazer incertezas e desafios na repartição de poderes. Manter um equilíbrio entre os diversos intervenientes e garantir uma coordenação eficaz pode ser crucial para evitar conflitos e previr disfunções do sistema. A interação dinâmica dos corpos exige uma cuidadosa análise e previsão e a chegada do técnico de cadastro exige uma adaptação e coordenação entre as entidades envolvidas para lidar com os novos desafios e garantir a eficiência e transparência na gestão da informação imobiliária. Para além dessas relações “gravitacionais” mais assináveis, os técnicos de cadastro vão inevitavelmente provocar ondas de choque junto daqueles que estavam até agora mais intimamente ligados à regularização documental, no caso solicitadores e advogados. Em suma, uma parte significativa das atividades ligadas à regularização registral/fiscal/cadastral dos imóveis passa para os técnicos de cadastro, com particular relevância para aqueles que reúnam as duas competências, a de solicitador e de técnico de cadastro. Pelo que me dá a parecer, os solicitadores ainda não tomaram consciência dessa alteração gravitacional.
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Eu sei que sou suspeito. Mas afinal quem não é?
Em vésperas de Páscoa, rezam as notícias que a que assembleia geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução não só não aprovou as contas do ano de 2023 como ainda votou uma moção de censura à direção. No dia anterior (quarta-feira) a assembleia de representantes já havia decidido semelhante censura. Não posso esconder um sorriso esgueirado. Passam-me frases como “cá se fazem…”, “não é novidade…, “admirado ficava se não tivesse acontecido…”, “zangam-se as comadres…”, “Lobo em pele de cordeiro…”, “Nas costas dos outros…”, O Rei só não está nu, porque está vestido com roupa que outros teceram; Mas ainda que o sorriso teime em não sair, a mágoa é bem maior. Mágoa pelo tempo desperdiçado e oportunidades que estão a passar à nossa frente. Mágoa por constatar que o empenho centrou-se em esconder o passado, ausentes do presente e cegos quanto ao futuro. Ao longo de 2 anos cansei-me de alertar para a premência em dinamizar a formação para técnicos de cadastro, o que finalmente veio a recentemente a acontecer, ainda que de forma mitigada. Abram os olhos. As oportunidades decorrentes do Regime Jurídico do Cadastro Predial são significativamente maiores do que aqueles que resultaram da reforma da ação executiva...E a generalidade dos solicitadores não está a perceber. Não querem ver que uma parte significativa da atividade de tradicional ligada à regularização registral/fiscal vai ficar na mão daqueles que são técnicos de cadastro.
Apesar do abandono a que este tem sido votado, é irrefutável que a entrada dos solicitadores na área do cadastro deveu-se exclusivamente ao projeto Geopredial. Seja com esta direção, ou com qualquer outra que se avizinhe, tenham a coragem de perceber que futuro já entrou pela porta, preocupem-se menos em aparecer, esforcem-se mais por fazer...ou então, pelo menos, deixem fazer. "... não faz mal, não faz mal pelo menos vem no jornal pelo menos vem no jornal pelo menos vem no jornal" |
AutorO meu nome é Armando A. Oliveira, sou solicitador de 1993, agente de execução desde 2003 e técnico de cadastro predial desde 2024 Archives
Novembro 2024
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