As significativas alterações introduzidas pelo DL 10/2024 são, essencialmente, uma alteração da percepção.
Tenho visto muita gente debater o risco de se deixar de verificar se um imóvel tem “licença”, mas na verdade sempre se adquiram imóveis sem licença, ou dito de outra forma, nunca o "titulador" verificou se o edificado estava ou não licenciado. Até pode parecer que verificava, mas na verdade nunca verificou! O "titulador" limitava-se a verificar se para aquela unidade predial havia - em determinado momento – sido emitido uma licença de utilização/habitabilidade, mas inexistia qualquer tipo de verificação se o edifício tinha ou não correspondência com o que constava do projeto / construção licenciada. Com as sucessivas alterações ao RJUE, muitas as operações urbanísticas passaram a estar isentas de licenciamento prévio ou (em alguns casos sujeitas a mera comunicação prévia). A partir desse momento as alterações introduzidas no edifício faziam com que a materialidade deixasse de ter correspondência com a “licença”, sem que, contudo, deixasse de ser legal. Em suma, se alguém quisesse saber se o edifício estava de facto em conformidade, teria de: 1) Fazer uma análise do projeto aprovado; 2) Comparar com a realidade material; 3) Verificar se as desconformidades eram obras isentas; 4) Apurar se as que não estavam "isentas" seriam ou não passiveis de serem "licenciadas" ou regularizadas através de comunicação "prévia". Isto há muito que era assim, mas a generalidade das pessoas (contraentes, solicitadores, advogados, notários) sentiam-se de alguma forma “confiantes” na existência de uma “licença”, apesar de tal licença poder dizer muito pouco quanto á legalidade do edificado. Com a devida vénia por opinião diferente, não considero que o "titulador" deva fazer qualquer tipo de verificação quanto à existência ou inexistência de licença, cabendo às partes fixar (se assim o entenderem) as responsabilidades mútuas pela conformidade do edificado com os títulos urbanísticos. Claro está que se a nossa intervenção não está circunscrita à titulação, mas também ao aconselhamento / representação de alguma das partes, devemos defender os interesses do nosso cliente, sendo que tal defesa passa pela verificação da regularidade urbanística e por fazer verter no contrato (e não na autenticação) a responsabilidade do vendedor em caso de se vir a verificar que tal regularidade inexiste. Não tenho grande dúvida que vamos ter muitos incautos que vão perceber muito tarde que foram "enganados", mas confesso que estou curioso para saber como é que a banca vai lidar com esta nova realidade. Possivelmente vai exigir mais "papeis", como por exemplo termos de responsabilidade dos técnicos envolvidos, ou então vai ela própria contratar essa análise, passando para os mutuários esse custo.
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As alterações ao RJUE resultante do Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro alteram significativamente a forma como se vai lidar com o licenciamento das edificações, acabando definitivamente com o conceito da licença de construção e licença de utilização / habitabilidade, conforme resulta expresso do artigo 21º quando refere: “Todas as referências legais e regulamentares ao alvará da licença de construção e ao alvará da licença de utilização devem entender-se como efetuadas ao recibo de pagamentos das taxas legalmente devidas”. Sob o ponto de vista dos negócios jurídicos sobre imóveis, a sua concretização estava subordinada a uma de duas opções:
Com as sucessivas alterações ao RJUE, que passou a dispensar o licenciamento de determinado tipo de operações urbanística ou a subordinar à simples comunicação prévia, já todos tínhamos a consciência que o facto de existir licença de utilização não garantia que a realidade material tinha correspondência com o que se encontrava licenciado. Podemos afirmar que a licença de utilização certificava que para um prédio (conceito civilista) havia em determinado momento sido emitida uma licença de utilização. Ainda que tenham sido introduzidas alterações ao que estava licenciado, tais alterações podem estar dispensadas de licenciamento, o que só poderia ser aferido confrontado tais alterações com as disposições resultante do RJUE, dos Planos de Ordenamento e dos demais regulamentos. Imagine-se uma moradia unifamiliar, cujo projeto não previa a construção de uma piscina. Em determinados concelhos está dispensado o licenciamento da construção de piscinas, desde que sejam cumpridos determinados pressupostos, tais como, por exemplo, a sua dimensão. Porém ainda que dispensado o licenciamento, não quer dizer que a piscina seja legal, pois terá de cumprir todos os demais regulamentos de edificação, podendo vir a ser considerada ilegal se no conjunto da habitação + piscina for ultrapassado o limite de impermeabilização do solo ou de distanciamento à estrada nacional (por exemplo). E se falamos em piscinas, podemos falar em anexos (garagens, arrumos), aproveitamento de vãos (vulgo sótão), muros, alterações de configurações do interior do imóvel, alteração de revestimentos exteriores, coberturas, etc… Sob o ponto de vista do titulador (seja ele solicitador, advogado, notário ou conservador) deixa de haver qualquer obrigação de verificar a situação do licenciamento, limitando-se a informar (nem seque a advertir) que o imóvel pode não dispor dos “títulos urbanísticos necessários para a utilização ou construção”. A exclusão de responsabilidade reforça a necessidade de as partes se acautelarem nas condições de contratação, impondo ou transferindo responsabilidades entre comprador e vendedor. Dito de outra forma, é aconselhável que comprador e vendedor vertam no contrato qual situação concreta da “legalidade” da construção, seja nas condições contratuais ou através da intervenção de uma terceira entidade que certifique (e civilmente se responsabilize) por essa mesma regularidade. Considerando o disposto no artigo 21º, não faz a meu ver qualquer sentido que o titulador refira a existência de licença de utilização, pois tal conceito deixara de ter cabimento Legal. Cabe às partes fixar as condições do negócio e determinar a responsabilidade pelo cumprimento das disposições legais de edificação/urbanização e, sendo caso disso, dos títulos urbanísticos necessários para a utilização ou construção. Não tenho dúvida que se abre uma porta para a prestação de dois serviços complementares à celebração dos negócios sobre imóveis:
EXEMPLO DE DECLARAÇÃO DO TITULADOR: EXEMPLO DE CONDIÇÕES CONTRATUAIS (RESPONSABILIDADE DO COMPRADOR) EXEMPLO DE CONDIÇÕES CONTRATUAIS (RESPONSABILIDADE DO VENDEDOR) |
AutorO meu nome é Armando A. Oliveira, sou solicitador de 1993, agente de execução desde 2003 e técnico de cadastro predial desde 2024 Archives
Dezembro 2024
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